Tuesday, May 17, 2005


ALPHA INCÓGNITA ALPHA



“A vida,(...) esplendido baralho, tarô de claves esquecidas que umas mãos reumáticas rebaixam a uma triste paciência solitária.”

Julio Cortazar


(Ao som de Frank Zappa, Guitar, porque música é Tudo.)


Bezerra da Silva. Era Bezerra da Silva que cantava aquele mantra que vinha doce pelos blocos cor de ferrugem que deixam entrar junto o frio, blocos de frio. Blocos de frio que caiaM sobre os corpos nús-horizontais como navios num mar onde a região abissal é em cima e os gansos e patos nadam em baixo. Aí ela abre a boca, e o cheiro vem doce da noite, ela trás dentro da boca o cheiro da noite, açoite e dentes finos, como um vampiro de um livro de Anne Rise. Ela abre a boca e o som que vem de dentro é como a Noite caindo de volta e todo o jazz Dela, Solos intermináveis, Músicas da esferas (ou até mesmo música das bolas de gudi que eu jogava uns 15 anos antes, o som que elas faziam quando se chocavam, o som que as cores delas faziam quando os pseudópodes de minha retina partiam de meus olhos e as sentiam a superfície como um pequeno planeta translúcido. E a cada jogada que meus dedos davam uma catástrofe gigantescas acontecia no planeta:

“E com minha sogra eu não quero graça, a ela tenho muito respeito/Ela bebe cachaça e fuma charuto, tem bigode e cabelo no peito/Eu não sei não minha sogra parece sapatão/Não sei não minha sogra parece sapatão/Veja que mulher danada pra gostar de confusão/Ela tocou fogo no meu barraco e também quebrou minha televisão/Rasgou toda minha roupa e jogou fora o meu colchão./Eu não sei não minha sogra parece sapatão/Não sei não minha sogra parece sapatão/Ela é de dar sugesta e por qualquer coisa ela fica invocada/Só anda pela madruga com uma pá de mulher que é da barra pesada/Quando tá dormindo ronca que parece trovoada/Eu não sei não minha sogra parece sapatão/Não sei não minha sogra parece sapatão/Quando o malandro toca nela é aquele alvoroço/Ela faz assim para o esperto qual é a sua seu moço/Da fruta que você gosta eu como até o caroço/Eu não sei não minha sogra parece sapatão”

-A quem eu devo obedecer?Ao meu verso ou meu inverso?-Perguntou ela.
Eu não saberia responder, vestido com o lençol pelo avesso, o frio entrando no osso. A música chula era poesia, e nos ouvidos de Aaabbeind Alors, toda aquela história brega sobre sogra, sapatão, bigodes e charutos era como:

“Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...”

Bezeira da Silva era como Alphonsus de Guimaraens naquele dia/noite sem Tempo, tudo era o vento que entrava pelos blocos, parede sem reboco, aquele sabonete nojento ainda sobre a cama, transparente dentro de um saco plástico, e sua forma irregular me irritava, como um Octaedro (olha o Cortázar aí gente).

De manhã cedo:
-Não sei não minha sogra parece um sapatão – cantarolava alguém, que na mente de Aaabbeind Alors era alguém com muito creme de barbear nos cabelos.
-vou te levar na Sessão do Descarrego.
Disse.
-Hein bicha?Você tem um Pombagira aí dentro né?
-Hein bicha?
-Uma Pombagira né?
-Vou te levar é na Sessão do Descarrego.
Não se ouvia resposta. A bicha ficou calada.
-já vai hein bicha?Vê se vai e trás esse pão, não vai ficar batendo papos cum us macho aí não, vai?

Não importa. Nevermind. Forget it. Aí Ela, O corpo liso como aquela serpente que vimos no zoológico (você vê algo de lógico no zôo?). Ela, o frio vindo pelos blocos cor de ferrugem. Ela, Aquela que cruzou a Cidade comigo, pisando os paralelepípedos, a procura de um lugar para a gente esconder nossos corpos desses olhos gulosos. Alagoinhas é um cidade de olhos famintos, sedentos de sangue de sua vida, sedentos de novidades e novas feridas. Ali deitado, Eu era um morto no mundo dos mortos. Um Sonhador no mundo dos Sonhos. Ícaro voando alto, a cor dela: alpha incógnita alpha, seu nome. Aí ela deu um beijo e disse:
-Vamos se picar dessa porra de hotel, aqui nem água quente tem, preciso de um banho.

DaNIEL BaRBOSA 2oO5

uive para a Lua:
Passeio aérea

Luz que vem de todo lado, luz azul na noite & um vento vindo frio,
Vento vem passando pelas quinas de concreto & metal & mármore e gesso,
E essa luz trás as palavras mortas, frases mortas, velhas & mórbidas
saudações ao corpo ou ao bolso, saudações ao nada, Ad nausea,
Nem tente mexer os dedos, não adianta, saudações ao corpo e ao bolso,
Ou até mesmo se mexer, levantar o corpo & seus ossos
e um rim pulsando, um pulmão, algumas fumaças de cigarro e nenhum
refluxo como a médica disse: nenhum refluxo, garoto, você é caso raro.

Caso raro eu sou desde pequeno, quando eu fazia fliperamas de papelão,
madeira, durex e bolas de gudes, ou até quando eu brincava quando viajava,
com a linha que separa os limites da estrada,
Estrada antiga,
Jogos de botão na sala,
Um amigo cego,
alguns amigos etéreos, gerônimo, Chico Anísio,
E os desenhos da Hanna Barbera a tarde,
As pernas de Angélica no programa Milk Shake
(as primeiras bolinações, 10 vezes numa tarde, as pernas de Angélica
gordinhas naquele programa dela que passava na Manchete).

Prá que tantas pernas meu deus?

E tem também a luz que vem do vinil negro, a Luz que saem dos livros:
Dom Quixote eu li na casa Dela em Dom Avelar,
Ray Bradbury em li em sonhos, teias de aranhas gigantes, quartos como selvas,
Stephen King foi quando eu pensava que estava apaixonado por Ela, mas ela era uma garota
fútil,
Henry Miller em li nas ruas, dormindo com mendigos, fudendo putas,
Fernando Pessoa eu li no exílio,
Proust também,
E Dostoiévsky.
Franz Kafka eu li quando ainda era muito novo,
Júlio Verne eu li com livros de um roubo,
Tolkien em li com cheiro de tinta acrílica nas mãos,
E borges com o cheiro Dela,
Cortázar Ela me deu de presente no Dia dos Namorados,
E Apolinaire eu li entre seus pernas,
As mãos com cheiro de esperma.

d..b
2005

uive para a Lua:

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